Caso Raquel Cantarelli: Acusada de Sequestro, Ela Luta Para Ter Filhas de Volta no Brasil

A história de Raquel Cantarelli, uma nutricionista brasileira, ganhou um novo e dramático capítulo. Após dois anos sem contato com suas filhas, levadas para a Irlanda em uma operação que ela classifica como “traumática”, a Justiça brasileira deu a palavra final: as crianças, hoje com 6 e 8 anos, devem retornar ao Brasil. O caso, que transita entre acusações de sequestro internacional e violência doméstica, levanta debates cruciais sobre direitos humanos e a Convenção de Haia.

Prepare-se para entender a complexa reviravolta no caso Raquel Cantarelli, as implicações legais e o que ele significa para outras “mães de Haia” no Brasil.


A Drama de um Encontro Inesperado e o Início da Disputa

Em junho de 2023, Raquel Cantarelli foi surpreendida em sua casa no Rio de Janeiro por uma equipe com policiais armados. Suas filhas, então com 4 e 6 anos, foram levadas “com a roupa do corpo”. A operação de busca e apreensão ocorreu após uma decisão judicial brasileira de segunda instância que determinava o retorno das crianças à Irlanda, seu país de nascimento e onde a mãe viveu até 2019.

Cantarelli havia deixado a Irlanda em 2019 com as filhas, com o auxílio de autoridades consulares brasileiras, mas sem a autorização do pai das crianças, um homem irlandês. Ele a acusou de sequestro internacional de crianças, dando início à longa disputa judicial.

A batalha legal teve reviravoltas: a primeira instância no Brasil havia decidido que as meninas deveriam permanecer com a mãe, citando “indícios de risco à integridade física e psíquica” das crianças. Contudo, a segunda instância reverteu essa decisão.


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A Reviravolta do STJ e a Luta Pelo Retorno ao Brasil

A mais recente e definitiva decisão veio do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em junho de 2025: as crianças devem, na verdade, ser devolvidas ao Brasil. A decisão transitou em julgado, não cabendo mais recurso na justiça brasileira.

Apesar da vitória judicial, o retorno das meninas (hoje com 6 e 8 anos) depende agora das autoridades irlandesas. O defensor público federal Holden Macedo, que defendeu Cantarelli, explica que se espera reciprocidade da Irlanda, embora não haja garantia absoluta, pois são duas soberanias jurídicas em jogo. Ele acredita que o pai tentará ao máximo não devolver as crianças ao Brasil.

Acusações de Violência e a Defesa do Pai

Raquel Cantarelli acusa o pai das filhas de violência doméstica e sexual contra ela e a filha mais velha. Ela relata episódios de controle, isolamento, cárcere privado, agressão e abuso sexual. A decisão de retornar ao Brasil em 2019 foi motivada, segundo ela, pela “falta de amparo e assistência das autoridades irlandesas” diante das violências.

Em contrapartida, os advogados que defendem o ex-marido de Raquel negam veementemente as acusações. Eles afirmam que todas as alegações da genitora foram “comprovadamente falsas” e visavam apenas possibilitar a saída clandestina das filhas da Irlanda. A defesa ressalta que o pai apresentou certidões de antecedentes criminais, declarações de empregadores, ex-mulher e familiares que atestam sua boa conduta.

Sobre o sumiço dos passaportes, os advogados alegam que a justiça irlandesa havia determinado o acautelamento dos documentos das menores devido ao processo de separação e guarda em curso. Eles afirmam que Cantarelli “optou por fugir” em vez de seguir os trâmites legais para sair do país com as filhas. A falta de contato da mãe com as filhas desde o retorno delas à Irlanda é justificada pela defesa como uma situação que o pai também enfrentou quando as crianças estavam no Brasil.


O Impacto do Caso Cantarelli e o Debate das “Mães de Haia”

O caso de Raquel Cantarelli ganhou grande destaque no Brasil, impulsionando debates sobre a subtração internacional de crianças e a aplicação da Convenção de Haia de 1980 em contextos de violência doméstica.

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São chamadas de mães de Haia as mulheres brasileiras que, buscando escapar da violência doméstica, fogem com seus filhos para outros países e acabam acusadas de subtração internacional. A Convenção de Haia prevê que os países devem colaborar para o retorno imediato e seguro da criança ao país de residência habitual.

Contudo, há uma exceção importante: não há obrigação de devolução se houver “risco grave de a criança, em seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar em situação intolerável”. Organizações civis e autoridades brasileiras defendem que casos de violência doméstica contra a mãe (ainda que não diretamente contra a criança) devem ser incluídos como exceção.

No Brasil, o tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já defendeu que a violência doméstica comprovada é motivo para impedir a repatriação. A advogada e mediadora Janaína Albuquerque, coordenadora jurídica da ONG Revibra Europa, aponta que o caso de Raquel Cantarelli foi “muito impactante” para que essa discussão voltasse à tona no país.


Os Cuidados com as Crianças em Casos de Subtração

A saída abrupta de um ambiente familiar pode gerar “estresse tóxico” para a criança, com risco de ansiedade, sintomas emocionais e irritabilidade, segundo o psiquiatra Guilherme Polanczyk (USP). No entanto, se a criança sai de um ambiente nocivo para um que a protege, isso pode ser positivo a médio prazo.

Polanczyk defende que a violência contra a mãe seja exceção para o retorno, pois isso afeta o desenvolvimento infantil. A recomendação é não esconder o ocorrido da criança, mas conversar sobre os fatos para integrar a vida anterior com a atual e ajudar a processar os sentimentos.

O Itamaraty oferece uma cartilha sobre subtração internacional e violência doméstica, alertando sobre os riscos legais de levar a criança sem consentimento e a importância de reunir provas de abuso.

O caso de Raquel Cantarelli, marcado por reviravoltas e complexidades, continua a ser um catalisador para a revisão e o aprimoramento das leis e práticas relacionadas à proteção de crianças e mães em situações de violência transnacionais. O desfecho final para o retorno das filhas de Raquel ao Brasil ainda aguarda a reciprocidade das autoridades irlandesas.

Fonte: BBC Brasil

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