Machismo Jovem: IA e Redes Sociais no Centro do Problema

Uma nova e preocupante tendência está emergindo: o machismo parece ser mais prevalente entre as gerações mais jovens pela primeira vez na história. Contrariando a ideia de que a juventude é sempre mais progressista, estudos recentes e a observação de pesquisadoras como Laura Bates revelam um cenário alarmante impulsionado pelos algoritmos da internet e o avanço da Inteligência Artificial (IA).

Laura Bates, escritora e uma das principais vozes do feminismo no Reino Unido e fundadora do projeto Everyday Sexism, alerta: não estamos falando de um risco futuro, mas de uma realidade que já afeta a vida de meninas e mulheres. É crucial entender o que está acontecendo e como podemos proteger as próximas gerações.


A Nova Face do Machismo Jovem: Uma Virada Histórica

Por décadas, a visão de que “lugar de mulher é na cozinha” e outras noções misóginas eram predominantemente associadas a gerações mais velhas. Acreditava-se que os jovens, por sua natureza mais aberta e liberal, teriam um maior respeito pelas mulheres. No entanto, o cenário mudou.

Laura Bates, autora de livros como Men Who Hate Women e The New Age of Sexism, aponta que, pela primeira vez, atitudes misóginas e antiquadas em relação às mulheres são mais comuns entre jovens do sexo masculino. Essa radicalização em massa é um fenômeno sem precedentes.

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Bates, que mergulhou no feminismo após uma “semana péssima” de assédios e abusos pessoais, destaca a necessidade de dar voz às mulheres. Ela cita iniciativas como o movimento #MeToo e seu próprio Everyday Sexism como essenciais para que as histórias sejam ouvidas, mostrando às vítimas que elas não estão sozinhas. A pesquisadora ressalta que mulheres são condicionadas ao silêncio desde cedo, enfrentando questionamentos e desconfiança quando denunciam.


Redes Sociais: O Turbo dos Algoritmos Misóginos

A situação se agrava com o papel das redes sociais. Laura Bates argumenta que não estamos diante de uma geração inerentemente misógina, mas sim de jovens expostos a algoritmos incrivelmente poderosos que os direcionam para conteúdos cada vez mais extremistas.

Um experimento simples no TikTok, criando um perfil de um menino de 14 anos, revela que em menos de 30 minutos, vídeos com conteúdo misógino são sugeridos diretamente na tela do usuário. Isso significa que ninguém precisa buscar ativamente por esse material; ele é entregue. A resposta conservadora à luta pelos direitos das mulheres, que sempre existiu, agora é turbinada por esses algoritmos.

As gigantes da tecnologia, como TikTok e Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), frequentemente se defendem citando suas regulamentações internas e a dificuldade de moderar o volume massivo de conteúdo. Contudo, Bates compara essa postura à de uma empresa de alimentos que não se responsabilizaria por intoxicações, alegando a vasta escala de seu negócio. Ela aponta para estudos que mostram a exposição constante a comportamentos abusivos nessas plataformas e a ingenuidade dos jovens, que absorvem essas informações como verdade.


O Perigo Imediato da Inteligência Artificial

Se as redes sociais já promovem um “sexismo turbinado”, a IA promete elevar o problema a uma escala “um milhão de vezes maior”. As implicações já são visíveis hoje:

  • Discriminação em Processos Seletivos: Cerca de 40% das empresas no Reino Unido usam IA no recrutamento, e algumas dessas ferramentas já demonstraram discriminação comprovada contra mulheres. A IA não é abertamente sexista, mas a discriminação pode estar na base de sua configuração, refletindo vieses existentes nos dados com os quais foi treinada. Isso também se estende a setores como crédito e serviços de saúde.
  • Aplicativos de “Tirar a Roupa”: A pesquisadora alerta sobre aplicativos disponíveis em lojas como AppStore e Google Play que, com uma foto de qualquer mulher encontrada online, conseguem produzir imagens nuas hiper-realistas em minutos. As consequências são palpáveis: isso cria um senso de posse sobre o corpo feminino, alimentando a ideia de que qualquer mulher pode ser “transformada em brinquedo pornográfico”. Casos chocantes, como o de meninas de 11 anos na Espanha cujas imagens foram usadas para criar vídeos pornográficos falsos que se espalharam na escola, mostram que os agressores não são criminosos da dark web, mas sim meninos da mesma instituição. Educadores, muitas vezes, desconhecem a extensão do problema.

Desatando o Nó: Caminhos para um Futuro Mais Saudável

A crise é complexa e se manifesta em uma crise de saúde mental entre jovens, incluindo o aumento do suicídio entre adolescentes masculinos. Para Bates, esse é o mesmo sistema que cria estereótipos sobre mulheres e que, paradoxalmente, aliena os próprios meninos, impedindo-os de buscar ajuda e expressar vulnerabilidade.

Como desatar esse nó? Laura Bates propõe:

  • Novos Modelos de Masculinidade: É fundamental promover exemplos positivos de masculinidade. Muitos homens — atletas, artistas, líderes — já representam esses modelos. O desafio é que os algoritmos não os promovem da mesma forma que os influenciadores tóxicos.
  • O Papel dos Adultos: Pais, tios, professores, treinadores e líderes comunitários têm um impacto enorme nos meninos. Há uma oportunidade gigantesca para que esses homens, que em sua maioria desejam o bem, apoiem a educação dos mais jovens e estabeleçam uma comunicação aberta e franca sobre relações saudáveis.
  • Conversas Abertas: É vital conversar com crianças, mesmo as mais novas, sobre sexo e relacionamentos saudáveis, sem estigmas ou silêncio, especialmente em um mundo onde a pornografia online é tão acessível.
  • Regulamentação das Empresas de Tecnologia: Dar um smartphone aos filhos é um dilema, mas a solução não está apenas na decisão individual dos pais. A pesquisadora defende a necessidade de regulamentar as empresas de tecnologia para garantir que as ferramentas digitais sejam realmente seguras para os jovens.

Apesar de um cenário que Laura Bates descreve como pessimista, a esperança reside na construção de uma voz coletiva, de acadêmicos e movimentos preparados para denunciar o sexismo diário e buscar a mudança. A IA nos tornará ainda mais “cidadãos digitais”, e reconhecer a importância de falar sobre esses temas, mesmo que não sejamos diretamente afetados, é mais crucial do que nunca. É uma conversa que precisa envolver a todos.

FONTE: BBC

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