
Um vídeo viral de um CEO flagrado com uma diretora de RH em um show do Coldplay reacendeu uma discussão delicada: o que acontece quando uma traição no trabalho é exposta? E mais importante, ela pode gerar uma demissão por justa causa no Brasil?
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não proíbe o relacionamento entre colegas, mas a linha entre a vida pessoal e a conduta profissional pode ser tênue. Vamos mergulhar no que a lei brasileira diz, as nuances da “incontinência de conduta” e como as empresas podem se proteger, sem invadir a privacidade de seus colaboradores.
Relacionamentos no Trabalho: É Proibido?
A resposta direta é: não. A CLT não proíbe relacionamentos afetivos entre funcionários da mesma empresa. No Brasil, a intimidade e a vida privada são direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal. Proibir que pessoas se apaixonem, namorem ou vivam um relacionamento amoroso seria considerado um ato abusivo e inconstitucional, ferindo os direitos da dignidade humana.
A advogada trabalhista Cristina Pena explica que, embora a empresa não possa proibir o namoro em si, ela pode e deve estabelecer regras sobre o comportamento dos funcionários. O objetivo é evitar que o relacionamento prejudique a produtividade, o ambiente de trabalho ou a imagem institucional.
Traição e Justa Causa: Uma Linha Tênue
Quando se fala em traição exposta no ambiente de trabalho, a situação se complica. Para o advogado trabalhista Ronaldo Ferreira Tolentino, relações extraconjugais podem, em tese, ser interpretadas como “incontinência de conduta“, uma das causas de demissão por justa causa previstas no artigo 482 da CLT.
No entanto, Tolentino ressalta que a jurisprudência brasileira tende a ser cautelosa e, muitas vezes, rejeita essa interpretação de forma automática. Ou seja, não é porque houve uma traição que a justa causa é automática. A empresa precisaria provar que a conduta do empregado foi tão grave a ponto de prejudicar o ambiente de trabalho ou a imagem da companhia de forma irreparável.
Em vez da justa causa por “incontinência de conduta”, a empresa pode optar por uma demissão sem justa causa. Isso evita maiores complicações legais e litígios, embora envolva o pagamento das verbas rescisórias completas.

O Código de Ética e as Regras Internas: Onde a Empresa Pode Agir?
Para se precaver, as empresas podem – e devem – estabelecer normas claras em seus códigos de ética ou políticas internas. Essas regras podem:
- Proibir demonstrações públicas de afeto: A advogada trabalhista Ana Gabriela Burlamaqui esclarece que as políticas internas podem vedar gestos físicos de afeto no ambiente de trabalho. Se essas políticas forem devida e previamente divulgadas, o funcionário que as descumprir pode sofrer sanções disciplinares, incluindo a rescisão do contrato.
- Restrições hierárquicas ou setoriais: Para evitar conflitos de interesse ou problemas de subordinação, algumas empresas podem proibir que funcionários com relacionamento amoroso trabalhem no mesmo setor ou em relações hierárquicas diretas.
- Pedido de discrição: Casais podem ser orientados a manter um comportamento mais discreto no ambiente corporativo, evitando que a relação pessoal interfira no profissional.
É crucial que essas normas sejam claras, bem comunicadas e aplicadas a todos de forma igualitária.
Limites da Atuação da Empresa: Privacidade e Discriminação
Apesar da possibilidade de regulamentar a conduta no ambiente de trabalho, o advogado Ronaldo Ferreira Tolentino pondera que regulamentar comportamentos fora do ambiente empresarial pode ser interpretado como invasão de privacidade. “É a companhia se metendo na intimidade dos empregados”, afirma. A lei protege a vida privada, e essa linha não pode ser facilmente cruzada.
Além disso, empresas não podem banir genericamente a contratação de cônjuges ou parentes próximos. Embora possam regular para evitar nepotismo ou conflitos de interesse, uma proibição sem fundamento específico pode ser considerada discriminatória e violar o princípio constitucional da igualdade de tratamento, como aponta Cristina Pena. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem consolidado esse entendimento, ressalvando apenas proibições específicas e contextualizadas que comprovem riscos operacionais.
Direitos do Empregado em Caso de Demissão Discriminatória
Se um funcionário for demitido por justa causa unicamente pela existência do relacionamento (sem que haja desrespeito a uma política interna válida), ou se a norma for considerada abusiva/discriminatória, o casal pode buscar reparação na Justiça do Trabalho. A advogada Cristina Pena explica que o empregado pode questionar a demissão e pedir indenização por dano moral, desde que prove que a dispensa foi discriminatória e causou prejuízos à sua honra e dignidade.
Perguntas Comuns sobre Relacionamentos no Trabalho:
- Casais podem solicitar expedientes semelhantes? Sim, casais que trabalham em empresas com funcionamento em finais de semana e feriados podem solicitar horários compatíveis. Contudo, a empresa não é obrigada a atender, a menos que haja norma interna ou acordo coletivo.
- Casais podem pedir férias em períodos semelhantes? Sim, podem, desde que isso não prejudique as operações da empresa. Embora a decisão do período de férias seja do empregador, a CLT (Art. 136) prevê que os interesses do funcionário devem ser considerados.
Lidar com relacionamentos e suas implicações no trabalho é um desafio para empresas e funcionários. A chave está no equilíbrio entre o direito à privacidade individual e a necessidade de manter um ambiente de trabalho produtivo, respeitoso e ético.
FONTE: G1
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